E deu ele o nome de Eva a sua mulher, por ser mãe de todos os
seres humanos. - Gênese, 3,20.
Eu sou um velho mofado foleado a fumaça e não tenho orgasmos
gratuitos há mais de um
quarto de século. Este é
meu último dia de obeso estragado no curral. Acompanha-me. -
Mais um charuto, por favor.
Charuto (mais barato que as meretrizes), vem a mim, entorpece-me os
sentidos, impregna-me o bafo de dragão, vem com força, mais fundo.
Mais um, só mais um, e mais um, e u-
-ma mulher feia de travar a mandíbula por
trás da vidraça embaçada
-ma mulher fantástica de fazer cair o queixo por trás da vidraça
embaçada (que faz na porta de entrada do meu bar a estas
horas?).
Larga o charuto, larga o
charuto! Ó diabo, queimou-me as calças bem na frente da ogra
orcaquídea.
Paciência,
sigo e destravo a porta e ponho-me a contemplar a lacraia
lascívia personificada.
“Teu nome qual é?”/“Adivinha”/“Como?”/“Temos muitos
nomes”/“É o quê, Vaca?, Hipopótama? Puta descabida!
É Legião?” - rio (quase me mato de rir – não, disso não
pereço).
Legião: a peça é um demônio!, mas de tão feia bem que
poderia sê-lo mas de tão bonita não haveria jamais de
sê-lo. Ela sorri, exibe a arcada
caindo aos pedaços excepcional,
e o cheiro que sinto de
bicho morto
lavanda me remete aos
saudosos verões na fábrica
de sabão de meu pai
Provence. Entra
massacrando
masturbando as narinas, não pode,
que assim caio envenenado
apaixonado.
É gorda sublime. Pálida feito... O
quê, a neve? Não. Marfim? Não. Leite
talhado Uma rosa branca. É pálida
e tem os cabelos negros como as asas da graúna
(graúna não,
urubu). Os cabelos longos e sebosos
sedosos e brilhantes, a barriga
grande
e flácida suculenta
debaixo do vestido azul, que acentua os desníveis
as assimetrias as curvas, os seios desiguais
fartos, esparramados no torso, que nauseante
bela voluptuosidade, belíssima; femme fatale (fatale
até cabe,
mas femme tem
bigode?).
Que olhos sedentos! Azuis
feito o vestido, feito a água do vaso sanitário dum
banheiro químico mar, os lábios cor-de-rosa inchados como
os
de uma vulva, um luxo! Um pedaço de mulher – só um
pedaço? Não, o bolo inteiro uma mulher
inteira, grande e redonda fantástico
espécime. Ainda morro de desgosto por vislumbrar teu
corpinho adiposo não tomar posse do teu vigor, flor exótica
– não, disso não pereço.
-
“Perdida, mademoiselle?”/“Não,
senhor. Eu erro”/“Uma
errante!”/“Uma mulher brava”/“Valente
ou
furiosa?”/“Ambos”/“É,
cachorra? Vem aqui então me dar uns tapas!
E o teu nome ainda não disse”/“Temos muitos nomes”/“Ah,
perdão só pode
estar de sarro, vagabunda,
minha dama. É Legião, não é?”, rio./“Não. Mas são muitos
nomes”/ “Sim claro
que sim, maluca,
entendido”.
Não te engano, faz um frio desgraçado lá fora, e a demente
beldade fica ali parada a me
fitar, como em
fotossíntese, há de ser retardada
mui brava, com efeito.
Faço menção de entrar, e ela ali, vegetativa, sequer treme,
tampouco os pelos arrepiam quantos
pelos encravados nessas pernas rechonchudas!.
Parece
um cacto
anjo caído
dos mais delicados. Eu entro, ela não qual
teu problema, Diaba?.
“Vai te congelar aí?”/“Não congelamos.”/“O
Inferno não congela
Está bem, Legião, mas não prefere entrar?”/“Não é
Legião”/“Certo. Quer entrar?” “O senhor é muito gentil”/“E
a senhora vem a ser...?”/“Nós temos muitos nomes”/“Vem
a ser uma doida esquizofrênica cocainômana
Sim, recordo, muitos nomes. Bem, minha filha, não quer entrar,
afinal?”/“Não posso, senhor”/“Por que
não, garota?”/“O
Criador me ensinou a não...”/“Criador?
Teu pai é Deus?...jogar
conversa fora com
desconhecidos”/“...ir
a qualquer lugar sem que seja formalmente convidada”. Débil
mental.
Tomo-lhe a mão e dou na
palma um beijo de leve. A Besta
Bela sorri novamente (sorri! Minhas vergonhas estão eriçadas,
fortunadamente o pacote não é lá dos mais aplaudíveis).
Anda, mulher, entra
comigo! “Está bem, eu te convido, vem comigo!”/“Seu desejo é
meu comando”. Ó meu Saint Patrice,
como é bizarra
obediente, e me cola parece
cola mesmo, ou sabão, que nojo
um beijo nos lábios.
-
“Dança comigo?”/“Não há música”/“Há
música”.
Ecoa no salão My Funny Valentine,
deslumbrante ao
contrário de você, Legião de canhotos
na voz aveludada d'Ella, e arrepios me percorrem a espinha. Que
insanidade é essa?
Não é deste mundo
essa femme barbuda,
é lá do Andar de
Baixo do Paraíso
(vergonhas, quietas! Sosseguem, vergonhas!).
Repousa minha mão sobre a cintura dela, nossos sacos
de banha torsos se
comprimem, a valsa é lenta e os corpos contrastantes.
De nervoso suo a cântaros, ela gélida como um... cadáver
cadáver, não sei de que outro modo descrevê-lo (devo ser
necrófilo). Sweet comic valentine...
Os olhos cor-de-águadevasomar
me encaram ainda, que sandice
sensualidade esbanjam, e que sorriso amarelo-esverdeado
esplêndido, assim morro delirando – não, só mais tarde. Fita-me
o filhote do Tinhoso
Anjo-Mor, e se aproxima a passos largos. Há de ser delírio, mas não
é. Diabólica
Divina criatura, que vê neste velho oxidado já descamando?
“Chega mais perto de mim”, geme Muitos-Nomes, em seu esbaforido
cáustico
caudaloso.
Sim, eu chego mais perto. Encosto o
nariz no cabelo da cor de urubu
graúna e me empesteia o fedor
perfume. Um passo acá, um passo acolá, um delírio onírico, assim
valsamos ao ritmo lerdo, e dele emana (não
só dele, do membro também)
a catarse. Minhas mãos lhe passeiam pela silhueta, um aperto aqui,
um belisco ali, formosas carícias, e aos poucos me entrego, olhos
fechados, respiração profunda – a dela
é de ovo
podre
lavanda. Vem a mim, Flor, impregna-me o bafo
de dragão
odor de ninfa, entorpece-me os sentidos, vem com força, mais fundo.
“Linda”, gemo mas é
desgraçadamente feia!/“Tremes?”/“Sim,
Mãe Monstra
Natureza dos olhos de águadevaso
ressaca.”.
Ela roça os lábios em meu
pescoço, há tempos não sentia um anseio tão desesperado por carne
feminina de quinta
categoria.
Transporta-me à loucura e a um ciúme doentio, “Deve ter muitos
jogados aos teus pés para
deles lamberem as cracas micóticas”.
“Hoje sou sua somente,”, vem-me a resposta, “virgem
imaculada”. Explodo em exasperação
êxtase.
Os lábios se separam (Amém
que me escapa esse gosto!),
toca-me a garganta a ponta da língua coberta
de cândida.
Esbaldo-me em l'amour (ele
não, ele se exalta. Quieta, vergonha!). “Hoje sou teu súdito”.
“Meu súdito”, replica, e o tempo congela e se embola e volve e
revolve.
Yet you're my favorite work of artYet you're my favorite work of
artYet you're my favorite
O verso se repete em cânone, e caio amaldiçoado
apaixonado pela mulher
feia de travar a mandíbula
coisinha estupenda que me apareceu. Tenho asco
sorte, e a mandíbula trava literalmente
feia de travar a mandíbula!,
e meus sentidos decaem e se esvaem e tudo rodopia em meus arredores.
O mundo se embola e volve e revolve e é azul-águadevasomar.
Yet you're my favorite work of art
you're my favorite
Yet
you're rite
t art
-
Ela montada sobre mim, endiabrada, dentes medonhos encachoeirando
líquido viscoso cor-de-vinho que escorre profuso, misturado à
saliva de Muitos-Nomes. Uma dor feito agulha (picada de cobra?) me
penetra até nervos que eu nem sabia que estavam lá.
Ergo a mão em esforço sobre-humano, levo-a a meu pescoço lambido
- que língua assassina! - e ao alcance de minha visão esfumaçada,
vermelho, rouge funny valentine.
Estou jorrando, mas não de gozo. Minhas vergonhas estão
envergonhadas. Que fez comigo?
“Que fez comigo?”. A vadia lambe os beiços carnudos,
refestelada em vinho (mas isso não é vinho!), sorrindo com todos os
48 dentes tortos, não é coisa de Deus/“Fiz-me sua”.
Usa o punho para limpar a goma rubra que está por toda parte, nariz
de porca, queixo de bode, lábios de vulva, barba de eremita, dentes
de piranha, cabelos de Medusa.
Dilacerou-me a carótida, agora chupa os dedos ensaguentados como
que besta entupida pelo banquete mais farto, e ri-se de escárnio do
velho. Pronto, eis o meu fim, triste imbecil enganado por globos
oculares de água de privada e encanto sobrenatural. Pateta! - E a
jiboia feliz da vida.
-
A vidraça é estilhaçada, entram rastejando as cobras, hissssss.
Elas rodeiam Muitos-Nomes, esfregam-se nela, todas ali de escárnio
com seus olhinhos cor-de-águadeVASO.
A ruína do homem foi Eva
a Serpente, não é isso?
“Diga meu nome”, ordena, aos
cochichos, ao que solta aquele bafo horrendo direto no meu
tímpano/“Puta...”, ela ri mais/“Lilitu”/“Quem?”/“Lilith.
Lilit. Lâmia.”/“Lâmia, a demônia? O súcubo?” (por que estou
surpreso?)/“Sucumba ao súcubo”.
Sucumbo.
Muitos-Nomes está maior, mais gorda, mais redonda, mais flácida,
mais grotesca, mais bestial, mais fétida, mais monstruosa, mais
barbada, mais peluda; belíssima.
-
E deu Ele o nome de Eva
Lilith a sua mulher, por ser mãe de todos os seres
humanos
demônios.
-
Eu
sou um novo velho extraordinário, e este é meu primeiro dia de
íncubo na legião. Charuto? Não, obrigado. - Uma moça feia de
travar a mandíbula! Deixa eu entrar, Flor.
My
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